Restos de Colecção: Cervejaria “Leão d’Ouro”

11 de outubro de 2016

Cervejaria “Leão d’Ouro”

A “Café Restaurant Leão d’Ouro”, situada na Rua do Príncipe (actual Rua 1º de Dezembro) e propriedade de António Monteiro, foi inaugurada em 16 de Abril de 1885, apelidada de “cervejaria-museu”. A propósito Monteiro Ramalho, em 1897, descrevia este espaço ao escrever: «não sei se esta afortunada casa é uma cervejaria, ou restaurante, ou café, ou botequim, ou o que seja, em verdade. Somente quero antes crer que é um benéfico e hospitaleiro Museu».

Notícia da inauguração no Diario Illustrado em 16 de Abril de 1885

1886 Abertura

12 de Março de 1886

A propósito da sua inauguração o “Diario Illustrado” no dia seguinte ao da inauguração, comentava:

«O estabelecimento compõe-se de duas salas parallelas, sendo numa a do restaurant propriamente diro, e a outra a dos bilhares. O chão é um bonito mosaico de Marselha. A mobilia, toda portugueza, corresponde a todo o restante luxo. O Leão de ouro abriu hontem ao publico.»

Nos finais de 1878, três empregados da Companhia da Fábrica de Cervejas Jansen”, António Monteiro, José Varela, e Jacinto Franco, decidiram ir trabalhar por conta própria, fundando na Rua de Arroyos, a “Fábrica de Cerveja Leão”. Alguns anos depois, desfazem a sociedade, vendendo a fábrica,que muda de designação para “Fábrica de Cervejas Peninsular”. Em 1903 era criada “Companhia Portuguesa de Cervejas”, que após fusão com a “Fábrica de Cervejas Peninsular”. daria origem à ”Sociedade Portugueza Germania, Lda. - Fabrica de Cerveja”, em Março de 1912. Esta empresa em 1916 mudaria de designação paraPortugalia, Limitada”.

Antigas instalações da “Fábrica de Cerveja Leão”  na Rua de Arroyos, já ocupadas pela “Fábrica de Cervejas Peninsular”

 

À esquina da Rua do Príncipe (actual 1º de Dezembro), junto à “Estação do Rossio”, havia um estabelecimento, a “Cervejaria Varella”, propriedade de um galego, onde se vendia a cerveja produzida pela “Fábrica de Cerveja Leão”. Esta cervejaria viria a ser adquirida pelos três sócios que tinham vendido a referida fábrica de cerveja, passando a designar-se “Cervejaria Leão”. Nasce assim, esta cervejaria, depois conhecida como o “Leão Triste”, após a separação que daria origem ao “Leão d’Ouro”.

1900

1905

É neste contexto que surge o “Grupo do Leão”  partindo sobretudo da vontade de alguns artistas dissidentes da “Sociedade Promotora”, que tentavam mudar o rumo da pintura portuguesa da época, em torno das novidades que sopravam de Paris. Embora já consolidadas em diversos países, em Portugal ainda eram consideradas excessivamente modernas, tendo como figura de proa, o pintor António Silva Porto (1850-1893). Do grupo fundador, para além de Silva Porto, faziam parte António Ramalho (1859-1916) e João Vaz (1859-1931), depois apoiados por José Malhoa (1855-1933), José de Moura Sousa Girão (1840-1916), Manuel Henrique Pinto (1853-1912), Rodrigues Vieira (1856-1898), J. J. Cipriano Martins, João Ribeiro Cristino da Silva (1858-1948), o jornalista Alberto de Oliveira (1861-1922), fundador de “A Crónica Ilustrada”, a revista do grupo, e ,também, como convidados, os empregados da cervejaria, Dias e Manuel Fidalgo. Mais tarde, juntam-se ainda o entalhador Leandro Braga, Columbano Bordalo Pinheiro (1857-1929), em 1882, Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905), em 1885, o ilustrador Vilaça, Maria Augusta Bordalo Pinheiro (1841-1915), e o escultor Soares dos Reis.

Quadro de Columbano Bordallo Pinheiro “O Grupo do Leão” de 1885

Nenhum outro conjunto de artistas em Portugal teve tanto apoio crítico, vindo de personalidades de talento, e com público reconhecimento cultural. Naquele local, reuniam os membros do grupo, constituído informalmente, sem regras, nem estatutos, «entre alguns meios bifes (...) bebem-se alguns copos de cerveja espumante; e fuma-se e conversa-se o mais naturalmente que se pode», como referia Monteiro Ramalho.

Gravura do interior da “Cervejaria Leão d’ Ouro” por altura da sua inauguração e publicada na revista “Occidente”

Com o desaparecimento do “Grupo do Leão” - substituído pelo “Grémio Artístico”  dirigido por Silva Porto -  o espaço comercial a que estava associado, a “Cervejaria Leão”  tinha perdido a sua importância, pelo que, António Monteiro decide tentar renovar e ampliar o estabelecimento, com a criação de uma sala destinada a restaurante, dando assim início ao Café-Restaurante “Leão d’Ouro”. Desta vez, António Monteiro tomaria a decisão de eleger o pintor João Vaz, um dos sobreviventes do “Grupo do Leão”, para tratar da decoração do espaço, e de contactar os restantes artistas . Ao contrário do que sucedera em 1885, houve lugar a uma planificação, de acordo com um preceito de uniformidade, não deixando aos artistas a liberdade de estabelecer os seus próprios critérios, nomeadamente de formato, pedindo-se que cada um executasse um tríptico, não obstante a liberdade de escolha do assunto. Tentou-se assim reunir o maior número dos elementos sobreviventes do “Grupo do Leão”, contando assim, para além do próprio João Vaz, com Columbano, Moura Girão, José Malhoa, Ribeiro Cristino, António Ramalho, e Maria Augusta Bordalo Pinheiro.

Os sobreviventes do original “Grupo do Leão” em 1905

Em Março de 1905 é aberta a segunda sala no "Leão D'Ouro" e a revista “Occidente” escreve:

«Ha vinte anos foram os artistas que decoraram a nova sala d'aquelle restaurante e, então offereceram os seus quadros, onde se encontra a grande tela de Columbano em que figuram todos os do grupo á mesa de lauta ceia.
Hoje foi o sr. Antonio Monteiro que bizarra e generosamente tomou a iniciativa de convidar os artistas para decorarem a nova sala, dando assim frisante prova de muita consideração por aquelles que tornaram o seu restaurante celebre fazendo ali , por assim dizer, um centro artistico.
O sr, Antonio Monteiro manifestou o desejo que a nova sala fosse decorada com quadros pintados pelos artistas sobreviventes do Grupo do Leão, e para esse fim pediu ao sr. João Vaz para se entender com os seus collegas sobre a melhor forma de realisar o seu proposito.
João Vaz convidou então Columbano Bordallo Pinheiro, José Malhôa, Antonio Ramalho (que ao tempo da decoração da primeira sala estava auzente no estrangeiro); Moura Gyrão. D. Maria Augusta B. Pinheiro e Ribeiro Christino a apresentarem as condições de cada trabalho de pintura: o mesmo artista projectou a divisão dos espaços a decorar que, pelas condições constructivas da sala tinham de ser de diversos formatos; os apainelados e emolduramentos em que as pinturas seriam collocadas.
Foi dado como maximo praso de tempo para a execução da tarefa, seis semanas, par se poder reabrir o Leão d'Ouro em sabbado d'Alleluia, 22 de abril de 1905.
N'essa data foi pontualmente feita a reabertura com tudo concluido.»

Com o encerramento do restaurante foi renovada a primeira sala, limpos os primeiros quadros e as molduras renovadas. A nova sala ficou a contrastar em muito com a primeira pela luminosidade e vivacidade, com os quadros emoldurados a branco e ouro nos filetes; a base dos arcos com golfinhos dourados e no alto seis grandes pratos decorativos da “Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha”.

Interior do “Leão d’Ouro”

1940

 

                                             1944                                                                                        1949

 

Em 1915, a gerência do Café-Restaurante “Leão d’Ouro” passa para José da Costa, antigo dono de uma mercearia na Rua Nova do Carmo (onde começara como marçano) e genro do anterior proprietário, António Monteiro. O princípio do fim parece surgir logo em 1937, quando Costa faz uma proposta de venda de todo o recheio de pintura ao Estado, que não se mostra interessado na compra em bloco, mas apenas interessado na aquisição de duas obras de Columbano (o retrato de António Monteiro, e o famoso “Grupo do Leão” ), e o quadro de Silva Porto, “O Quinteiro” de 1885. Como o novo dono estava empenhado em desfazer-se somente do espólio no seu conjunto, para evitar que ele se dispersasse, acabou por optar por uma venda particular, o que sucederia precisamente com o leilão de 1939.

Em 1939, o "Leão d'Ouro" passou para a posse da firma "Alonso, Vasquez & Esteves, Lda.", constituída pelos profissionais do ramo Miguel Fortes Alonso, Constante Vasquez e Cândido Domingues Esteves.

«Sob a activa e inteligente administração destes distinctos profissionais, a quem compete também a exploração do "Café-Restaurante Suisso", o velho "Leão d'Ouro" continua honrando as gloriosas tradições criadas através da mais de meio século de existência» in: "Praça de Lisboa" (194571946)

26 de Fevereiro de 1939

Em 23 de Julho de 1945 reabre como "Restauração" ... em fotos do jornal "O Século" do mesmo dia.


Estas duas fotos gentilmente cedidas por João Mcdonald


Interiores antes de 1945, já sem os quadros

Em 1946, o seu sobrinho, Francisco Ramos da Costa, tenta retomar a ideia de venda ao Estado. Mais uma vez, dado o insucesso, volta-se para os privados, dentro e fora do país. Em 1952, Assis Chateaubriaud, director do Museu de Arte de S. Paulo, no Brasil, chegou a oferecer mil contos, pelo famoso “Grupo do Leão” de Columbano. Mas a proposta não foi aceite, porque Ramos da Costa não queria que, uma obra desta importância, saísse do país. No ano seguinte, o Estado acabaria finalmente por se decidir pela sua aquisição, por 400 contos, sendo então entregue ao “Museu de  Arte Contemporânea”, actual “Museu do Chiado”. O resto do espólio, acabaria por se dispersar, tendo sido vendido a um particular, em 1969.


O "Diario de Lisbôa" em 1963 escrevia:

«O leão dourado, signo heráldico do estabelecimento, obra do entalhador Leandro Braga, que impava outrora sobre o balcão histórico, firmando orgulhosamente as presas num escudo com monograma, foi empoleirado, já sem escudo, numa peanha, ao alto da parede.
E é o que resta dos velhos pergaminhos do típico restaurante lisboeta.»

Actualmente o restaurante “Leão d’Ouro”, faz parte do conjunto “Leão d’Ouro” - “Taverna do Leão” - “Bufett do Leão”, pertence ao “Grupo Chimarrão”.

 

 

Bibliografia: Artistas e Espaços de Sociabilidade no século XIX - O “Leão d’Ouro” e a Génese do Naturalismo na Pintura Portuguesa (1885-1905) - Nuno Saldanha - IADE-U/UNIDCOM

fotos in: Arquivo Municipal de Lisboa, Hemeroteca Digital, Biblioteca Nacional Digital, Restaurante Leão d’Ouro

7 comentários:

PNLima disse...

Quem usa estação do Rossio, é inevitável passar por aqui. Nunca entrei, mas ficando a conhecer a história, verei com outros olhos tal "monumento" da nossa capital!

Aleixo Corte-Real disse...

Fabuloso! Os meus parabéns pelo site, que acompanho com atenção.

José Leite disse...

Caro Aleixo Corte-Real

Muito grato pela amabilidade do seu comentário
Cumprimentos

Unknown disse...

Venho acompanhando desde sempre este blogg. Quem gostar de Lisboa não perca!
Parabéns ao autor!

José Leite disse...

D. Cristina Ferreira

Muito obrigado

Os meus cumprimentos
José Leite

José Rico disse...


Pela pertinência e bom trato do tema, irei partilhar para dissertação académica, citando.

José Leite disse...

Caro José Rico

Muito lisonjeado e grato pelo que me informa.

Os meus cumprimentos