Restos de Colecção: Palácio de Monserrate

8 de fevereiro de 2018

Palácio de Monserrate

Em 1789, Gerard DeVisme, mandou edificar o “Palácio de Monserrate”. Um palácio acastelado neogótico no local onde teria existido a antiga capela, com projecto atribuído ao arquitecto William Eldsen. Cria espaços ajardinados decorados com estatuária e manda edificar uma capela também neogótica, num dos morros da propriedade.

Gerard DeVisme (1725-1797), era sócio da empresa “Purry & Mellish” que possuía o monopólio da importação do pau-Brasil. Na escritura de arrendamento, referia-se que DeVisme pretendia arrendar a quinta por largo tempo, por ser um sítio muito remoto, «o mais semelhante aos ares da sua patria» e por isso o mais conveniente para a sua saúde e para descansar das fadigas do seu comércio. O prazo estipulado era de nove anos, a contar de 1 de Julho de 1789 até 30 de Junho de 1798, e o preço era de quatrocentos mil réis em dinheiro corrente no fim de cada semestre à razão de duzentos mil réis em cada um. Pretendia restabelecer a quinta, «aumentando os seus pomares e dando-lhes o benefício de que careciam, reedificando a seu arbítrio as casas». Até então a quinta não era vedada.

Gerard DeVisme (1725-1797) por Thomas Hickey in 1783


Tyntesfield, North Somerset © National Trust

Nota: O texto seguinte, em itálico, deste artigo,  foi transcrito do livro “Cintra Pinturesca ou memoria descriptiva das villas de Cintra e Collares e seus arredores” cuja nota bibliográfica darei conta no final.

                                        Edição de 1839                                                                 Edição de 1905

           

«Diz a tradição que nos tempos do dominio árabe, morou no alto da Penha, ou seja nas proximidades do sitio hoje denominado Monserrate, um mosarabe ou fidalgo christão, que tinha grande predomínio sobre todas as famílias christãs que então habitavam a serra.

Esse fidalgo andava de rixa velha com o alcaide do Castello de Cintra, resultando d'essa discórdia este vir desafial-o para duello, cujo resultado foi o ficar sem vida, no campo, o fidalgo, que foi logo considerado por todos como martyr, erigindo-se-lhe um tumulo, e depois um capellinha para oração.
Essa pequena ermida desfez-se em ruinas, e em 1620 foi substituída por uma outra edificada pelo padre Gaspar Preto, que tendo vindo d'uma peregrinação á abbadia de Monserrate, em Barcelona, ali tinha concebido a idéa da fundação de um templo a Nossa Senhora de Monserrate, mandando vir de Roma a imagem da Virgem, em alabastro.
Durante uns largos 230 annos, foi a capella da Senhora de Monserrate aproveitada no culto divino, e certamente que a sua imagem seria festejada annualmente, como é de antigo uso entre os habitantes d'estes sítios; nada nos diz porém a historia de positivo, anteriormente a 1770, em que Gerard De Visme, rico negociante inglez, tendo protestado deixar em Portugal duradoira lembrança da sua estada n'estes reinos, percorria diversas partes do paiz, tendo afinal resolvido edificar um palácio no sitio mais pittoresco e encantador que encontrasse nos arrabaldes de Cintra.
Escolhido o local, a antiga capella de Monserrate, que tendo sido dada ao hospital de Todos os Santos, de Lisboa, fora aforada a Caetano de Mello e Castro, vice rei da Índia, que a vinculara na sua  familia, conseguiu De Visme, não sem grandes difficuldades, um contracto de arrendamento, por vinte annos apenas, o que contrariou bastante as suas largas aspirações.

Principiada a construcção do palácio, justamente no ponto onde se achava a antiga ermida, foi esta mudada para um outro ponto, onde ainda hoje se vêem as suas ruinas, envolvidas de pujantes trepadeiras, e rodeadas de magnificas plantas.

 

Apenas durante 16 annos gosou De Visme da sua obra, pois que findo esse tempo teve de fixar residência em Inglaterra, cedendo então os quatro annos de posse que lhe restavam para concluir o arrendamento a William Beckfort, homem distincto, tanto pelos seus conhecimentos scientificos, como pelo seu conhecido bom gosto, e cuja auctoridade como en- tendedor e apreciador de obras d'arte, era incontestável.
Senhor de importantíssima fortuna, Beckfort fez altas diligencias para conseguir do dono a venda definitiva da propriedade, nunca chegando a conseguil a; mas era tal o seu enthusiasmo por Monserrate, e tão grande esperança tinha de mais tarde ou mais cedo conseguir a sua pofte definitiva, que dispendeu fabulosas quantias aformoseando os jardins e o parque, e mandando construir aquellas soberbas cascatas que a maior parte dos visitantes consideram como naturaes, e que ali existem á custa de muito trabalho e enormes despezas.

William Thomas Beckfort (1760-1864)

Foi este o primeiro periodo áureo da principesca vivenda, realisando-se ali brilhantes festas a que assistia a corte, festas em que as aventuras cavalheirosas de capa e espada, e os poemas de amor, doces idylios da alma, ali deixaram vivas  recordações.
Quando em 1810 lord Byron esteve em Portugal, foi no palácio de Monserrate, ainda rasoavelmente conservado, que elle passou a maior parte do tempo que aqui esteve, e, diz a tradição que foi la que elle escreveu aquellas soberbas estrophes em que fala das bellezas de Cintra, no seu Child Harold. Foi depois d'esta data que o palácio de Monserrate ficou, por assim dizer, absolutamente desprezado, cahindo em progressiva decadência durante aproximadamente quarenta annos.

O seu velho possuidor nunca se deixou porém seduzir pelas propostas vantajosas que muitos homens de bom gosto lhe fizeram, preferindo ter a quinta arrendada por um preço relativamente insignificante, até que veiu a fallecer na avançada edade de 91 annos.
Foi então que os seus herdeiros venderam a magnifica propriedade a sir Francis Cook, rico inglez, que pouco depois trazia consigo de Inglaterra um mestre de obras chamado Bermett, e um jardineiro chamado Burt. Foram estes dois distinctissimos artistas, por assim dizer, os delineadores d'aquelle esplendido conjuncto de bellezas, e os mestres de muitos
operários que alli se empregaram. Só em 1866 terminou esta importantíssima obra em que se dispenderam centenares de contos, e se empregaram milhares de braços.»

Quanto à história desta transacção, a esclarecer que D. Veridiana Constança Leite de Sousa e Noronha, com autorização do conselho da família, em 1856, realiza contrato de sub-rogação - pagamento de uma dívida, substituindo-se o sujeito da obrigação, mas sem extingui-la - em inscrições da “Quinta de Monserrate” ao rico negociante inglês, do ramo dos texteis, (“Cook, Son & Co.”) Francis Cook, sendo o valor nominal da sub-rogação de 40.000$000 réis. Nesse ano, Francis Cook residiu na “Quinta de São Bento”, perto de Monserrate, e em 1858 é apresentado o ante-projecto da reconstrução do “Palácio de Monserrate” pelo arquitecto James Knowles Senior. Entre os anos de 1860 e 1863, e depois da promulgação da legislação abolindo vínculos e morgados, procedeu-se à venda completa da “Quinta de Monserrate” a Francis Cook. Assim, James Knowles inicia as obras de remodelação do palácio, e a plantação e construção do parque.

Sir Francis Cook (1817-1901)  1º Visconde de Monserrate


Collection of Brenda, Lady Cook ©Robin Briault | National Gallery of Art of Washington

No semanário ilustrado “Archivo Pittoresco” em 1868

Projecto

Construção

Entretanto Sir Francis Cook era agraciado por el-Rei D. Luiz com o titulo de 1º Visconde de Monserrate, «pelos relevantes serviços por elle prestados ao desenvolvimento das artes em Portugal»

A propósito das beneficiações promovidas pelo Visconde de Monserrate, destaco parte de um artigo, de 1898, publicado por C. M. «iniciaes que occultam o nome dum cavalheiro que de perto conhece a principesca vivenda, e privava com o seu proprietário de então:
«Ao parque de Monserrate povoado de plantas exóticas que o sr. visconde tem mandado vir de toda a parte do mundo, bastar-lhe-ia aquelle soberbo bosque de fetos arbóreos, onde se encontram distinctissimos exemplares, para o tornar notável.
Aquellas três múmias etruscas que se encontram nas grutas, foram adquiridas em Roma por um preço fabuloso, e, segundo a descripção que as acompanhava, e que o sr. visconde possue, teem tres séculos de existência antes da era christã!
A entrada do palácio é um verdadeiro encanto, o effeito deslumbrante que produz a sua linda galeria, principalmente quando está illuminada, transporta a gente aos primeiros annos da vida, quando a criada velha nos descrevia com vivas cores o palácio da moura encantada, heroina de uma historia de fadas, que as velhas dos tempos antigos contavam com inimitável propriedade. (...)»

 

 

       

             

Quanto á descrição dos interiores do Palácio de Monserrate o livro “Cintra Pinturesca” prosseguia:

«A bibliotheca de Monserrate é guarnecida por notáveis e preciosas antiguidades; a porta da entrada é em antigo alto relevo italiano, feito em madeira preta ; tem nas estantes mais de cinco mil volumes, onde se encontram obras em todas as línguas e de quasi todos os principaes escriptores antigos.
Entre as bellezas que a adornam merece especial menção uma estatua equestre, em barro, que serviu de modelo á que existe em Roma, representando Marco Aurelio.
A casa de jantar tem as paredes cobertas por seis magnificos quadros a oleo, de assumptos puramente religiosos, da escola italiana. São estes quadros de bastante merecimento, não só na parte artística, como também pela sua reconhecida antiguidade.
A baixella é a que pertenceu ao fallecido Marquez de Vianna, e o serviço para chá é todo em cobre esmaltado, juntando á excentricidade das suas formas, um verdadeiro cunho de antiguidade.
As duas salas que ficam paralellas á bibliotheca e á casa de jantar constituem uma verdadeira exposição de objectos raros, reflectindo-se nos magnificos espelhos de Veneza que guarnecem as paredes. Os tapetes da Pérsia e da Índia, as soberbas jarras do Japão, os bufetes de talha, os crystaes de rocha, as loiças de Saxe e de Sevrer, os cofres antigos, e fi- nalmente, uma infinidade extraordinária de objectos d'arte difficil de examinar e quasi impossível de descrever, deslumbram a vista do visitante.
Passando d'estas salas ao torreão do norte, temos ali o grande salão de musica ou de baile, como lhe queiram chamar. E' esta grande sala guarnecida por uma riquíssima mobilia da índia, de madeira negra, caprichosamente arrendada. Entre muitas preciosidades antigas que alli se encontram, ha umas mezas de mosaico, de um trabalho perfeitissimo ; além  d’estas, ha uma outra de malachites, que, além de muito elegante, é de um alto valor e merecimento.
Está também n'esta sala um piano de cauda construído em Vienna d' Áustria, o mesmo que ganhou o primeiro premio na exposição de Londres, em 1862. A' direita, entrando, está um grupo de mármore branco, uma verdadeira belleza artística.
Temos, finalmente, o quarto chamado de Santo Antonio, que o sr. visconde invariavelmente mostra e recommenda ás raparigas solteiras que ali entram, como muito milagroso em questões de casamentos.»

Monserrate.2 

Monserrate.9      Monserrate.1

Monserrate.13

Monserrate.3 Monserrate.4

Monserrate.5 Monserrate.7

Em 17 de Janeiro de 1901 e por decreto do Rei D. Carlos I, Sir Frederick Cook (1865-1940) sucede a seu pai, com o título de 2º Visconde de Monserrate. Compra a “Quinta da Penha Verde”, e promove grandes melhoramentos na “Quinta de Monserrate”, sendo aberta ao público, mediante pagamento de bilhete, cujo produto era doado à “Santa Casa da Misericórdia de Sintra”.  «A opulenta e vasta propriedade de Monserrate está hoje na posse do 2." visconde de Monserrate sr. Frederico Cook, que, como seu pae, é também considerado um benemérito de Cintra, repartindo pelos pobres, a mãos largas, uma parte dos seus grandes rendimentos, dando trabalho a centenas de braços, que são o amparo de dezenas de famílias, e sus- tentando escolas, onde são educadas creanças pobres.». Após a morte de Frederick Cook, em 1920, sucede-lhe seu filho Sir Herbert Cook.

Lady Mary Anne Cotton e Sir Frederick Cook (1844-1920) - Segundos Viscondes de Monserrate

“Quinta da Bella Vista” e Quinta da Penha Verde”

“Palácio de Monserrate”

 

 

Anúncio de venda da “Quinta de Monserrate” colocado por Sir Herbert Cook numa publicação inglesa

Em Novembro de 1928, a Junta de Freguesia de São Martinho  ao tomar conhecimento que os bens da família Cook, em Sintra, iam ser postos à venda, contacta a Câmara Municipal de Sintra para se proceder a um movimento colectivo de modo a estimular o Governo a intervir no assunto, já que o turismo local sofreria um rude golpe se o novo proprietário vedasse ao público os jardins de Monserrate. Nesta sequência, Sir Herbert Cook, através do seu administrador Guilherme Oram, informa que tomaria providências para que o novo proprietário concordasse em manter abertos os jardins.

Em 1929, Sir Herbert começou por vender, a baixo preço, as quintas anexas e esperava vender em Inglaterra ou na América o palácio e jardins de Monserrate e, a Sul da estrada de Sintra - Colares, toda a encosta silvestre até ao “Convento dos Capuchos” e sua cerca. Sir Herbert, já bastante doente, em 1936 ainda não tinha conseguido vender a quinta.

Postal.11

1940 Garden-Party (julho).3 1940 Garden-Party (julho).4

A “Quinta de Monserrate”, em 1946,  passou a ser administrada por Walter Kingsbury, sendo o seu pessoal efectivo cada vez mais reduzido, e é feita oferta de venda ao Governo português, que hesita, que ao hesitar … A 22 Setembro do mesmo ano, é feito o ajuste de compra e venda entre Sir Francis Ferdinand Maurice Cook, filho herdeiro universal de Sir Herbert, e o financeiro português Saúl Saragga, dos prédios e recheio do palácio por 95.000$00.

Finalmente, a 25 de Maio de 1949, é celebrada a escritura de venda da “Quinta de Monserrate”, e da encosta até ao “Convento dos Capuchos”, por Saúl Saragga à Fazenda Nacional, por 9.000.000$00, retendo o comprador 50.000$00 para despesas de conservação e 100 000$00 para entregar à “Santa Casa da Misericórdia de Sintra”. Em 1968 a quinta e jardins seriam entregues à “Direcção-Geral das Florestas”.

“Garden-party” nos jardins de Monserrate em Julho de 1940

 

Em 30 de Abril de 1966, a “Tabaqueira, S.A.”, do grupo CUF”, lançava o cigarro multi-filtro com a marca “Monserrate”, e cujo rótulo do maço era da autoria do designer António Garcia.

Em 2 Setembro de 2000 é constituída a “Sociedade Parques de Sintra - Monte da Lua, S.A.”, de capitais exclusivamente públicos, que com outros accionistas, a “Direção Geral de Florestas” e “Instituto de Conservação da Natureza”, têm a seu cargo a recuperação, desenvolvimento e gestão dos “Parque de Monserrate”, “Parque da Pena”, do “Convento dos Capuchos” e do “Castelo dos Mouros”. Em 2004, é aberto, de novo, ao público, com visitas limitadas, devido às obras de restauro e conservação em curso.

 

 

 

 

 

Bibliografia:
- “Cintra Pinturesca ou memoria descriptiva das villas de Cintra e Collares e seus arredores” da autoria de:  João António de Lemos Pereira de Lacerda, Visconde de Juromenha (1807-1887) e António Augusto Rodrigues da Cunha (1862- ?), e publicado em 1905 pela Empreza da Historia de Portugal Sociedade editora (Lisboa)
 - "Direcção Gral do Património Cultural - SIPA Sistema de Informação para o Património Arquitectónico

Fotos in:  Arquivo Municipal de Lisboa, Hemeroteca Municipal de Lisboa, Biblioteca Nacional Digital, Delcampe.net, Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian (Estúdio Mário Novais), Blog “Serra de Sintra”Parques de Sintra


1 comentário:

alvaro silva disse...

Uma Coisa que me intriga e nunca vi ou ouvi descrição foi de onde veio a pedra com que construiram o palácio. Está construído com um tipo de arenito, que salvo melhor informação me parece não existir por cá.será que a pedra foi importada? Veio de donde e quem a transportou?, As casas da quinta são em granito da região, mas o palácio não. Gostava que alguém me desse resposta, pois numa visita que fiz há cerca de três meses não consegui que nenhum dos muito importantes e enchouriçados aprendizes de guia (a quem a câmara de Sintra ou os "boss" do Monte Lua deram um "taxinho") nada me souberam responder. Agradeço quem me possa informar,