Restos de Colecção: Grand Hotel Central em Lisboa

1 de setembro de 2016

Grand Hotel Central em Lisboa

O “Grand Hotel Central” terá aberto as suas portas por volta de 1855 na Praça dos Remolares (actual Praça Duque de Terceira), no edifício construído depois do terramoto de 1755, conforme relata a revista “Archivo Pittoresco” nº 1 de 1860: «A denominação de caes do Sodré, que vulgarmente abrange tambem esta praça dos Romulares, que fica no centro d'elle, foi dada depois do terramoto quando Vicente Sodré, descendente de Fradique Sodré, inglez que passou a este reino no tempo de D. Afonso V, edificou alli grandes predios que vinculou, concorrendo tambem para a cortina e obra de caes, que é um dos mais centraes que tem Lisboa, e que dá melhor serventia aos navios ancorados no Tejo.»

Planta topográfica de 1856

Gravura na revista “Archivo Pittoresco” nº 1 de 1860

Anúncio em 1886

Segundo o livro “Lisboa Desaparecida “ Vol. 6 de Marina Tavares Dias, este prédio teria sido inicialmente ocupado por uma hospedaria de seu nome “Estrella Branca” por volta de 1835, ao que se lhe teria seguido o “Hotel de France” de Madame Langlet em 1838, que seria trespassado por volta de 1855 ao proprietário do ”Grand Hotel Central”. Num anúncio publicitário, de 1887, surgiria o “Hotel de France”  propriedade de Madame Marius e localizado, não na Praça dos Remolares, mas na Travessa dos Remolares.

1887

Quanto à Praça dos Remolares, onde se localizava o “Grand Hotel Central”, a revista “Archivo Pittoresco” nº 1 de 1860, relatava: 

«A camara municipal mandou arborisar esta praça e em 1845 a fez empedrar de enxequetado preto e branco, pondo-lhe no meio um quadrante horisontal, sobre uma mesa redonda de pedra lioz, cousa ridicula, inutil, e impropria de tal logar, e que espera occasião de se fazer um varejo artistico á cidade, para ser d'alli extirpada como outros que taes abortivos, repugnantes  ao gosto e correcção da arte, que diffamam a nossa capital.»

“Grand Hotel Central”  e a “Meridiana dos Remolares”

Quanto ao “Grand Hotel Central” tratava-se dum hotel de primeira ordem, e o melhor de Lisboa na altura, com belíssima vista para o estuário do Tejo, servindo ceias elegantes e bem confeccionadas. Hotel regularmente mencionado nos romances de Eça de Queirós, “Os Maias”, “A Capital”, “O Primo Basílio” e em “A Correspondência de Fradique Mendes”. Uma passagem de “Os Maias” em que é referido este Hotel: «Era o famoso Hotel Central, o melhor hotel de Lisboa desse tempo, onde se hospedavam reis e presidentes. A entrada dava sobre a praça. Na fachada oposta, para uma rua estreita, davam os quartos de Maria Eduarda. Carlos viu-a pela primeira vez no peristilo do hotel: “ela passou, com um passo soberano de deusa, maravilhosamente bem feita, deixando atrás de si como uma claridade, um reflexo de cabelos de oiro, e um aroma no ar...»

No “Novo Guia do Viajante” em 1880

 
Menú da direita gentilmente cedido por Nunes Cachado

Paisagem para o estuário do Tejo

 

Em 1865, entre o Largo do Corpo Santo e a Travessa dos Remolares, existiam os seguintes hotéis:

Grand Hotel Central - caes do Sodré, 25
Hotel Açoriano - largo do Corpo Sancto, 23, 2º
English Hotel - travessa do Corpo Sancto, 8
Hotel Herminio - travessa dos Remolares, 23
Hotel Luzo-Brazileiro - travessa dos Remolares, 11
Hotel Pedro Alexandrino - caes do Sodré, 4
Hotel Portugal - largo do Corpo Sancto, 23, 1º

No edifício do Hotel esteve instalado o famoso Café “do Grego”. Instalado na esquina da Praça dos Remolares, com a Rua do Corpo Santo, foi fundado em 1808 pelo negociante grego Angelo Canaglioti «a quem as fagulhas policiaes não perdiam de olho, porque suspeitavam que era um propagandista das idéas francenzas, o que os obrigou a deitarem-lhe o gatazio e a expulsarem-n'o do reino em 1809» in “Lisboa d’Outros Tempos” (Tinop) ficando com a administração e propriedade do café Felipe Bernardini, também suspeito de jacobinismo. Este fora copeiro do Rei Luis XVI de França,  tendo emigrado para Portugal por morte do monarca, tendo exercido as mesmas funções para o duque de Cadaval, vindo a ser mais tarde a ser caixeiro do Café “do Grego", no tempo dos franceses,e , depois, como seu administrador.

Café do Grego”  em 1875 indicado na elipse

Anúncio de 20 de Janeiro de 1894

O Café “do Grego" chegou ao século XX e depois de ultrapassar os noventa e nove anos de existência, em 1907, muda de proprietário e sofre transformações profundas, sendo rebatizado com o nome de "Café Londres".

1914

No início do século XX o “Grand Hotel Central” era propriedade do alemão Conrad Wissmann que foi membro honorário da “Sociedade de Propaganda de Portugal”. Era, também, proprietário e gerente do “Grande Hotel da Curia”, coadjuvado por seus sobrinhos hoteleiros no “Grande Hotel do Bussaco”, e também proprietário do “Grande Hotel Avenida”, em Vila do Conde. Em 1911 quando decorreu o “IV Congresso Internacional de Turismo” em Lisboa, Conrad Wissmann, além de proprietário, era diretor do “Grand Hotel Central” em Lisboa.

Conrad Wissmann

Quanto à qualidade dos hotéis, a revista “A Risota” em 15 de Março de 1908 publicava o seguinte poema. E se alguém estiver interessado em experimentar o referido “Galicia”  aqui fica a respectiva publicidade de 1887 …

 

1903

Factura de 1911

1913

Durante a “I Grande Guerra Mundial” os cinco hotéis de Conrad Wissmam foram confiscados pelo governo português em pouco tempo, ficando mais de uma dezena de anos sem receber qualquer recompensa de prejudicado de guerra. Durante o conflito foi deportado para Espanha com a sua família onde passou grandes dificuldades, não obstante possuir alguns recursos provenientes de uma vida de trabalho com sucesso. Quando acabou a guerra, quem antes fora proprietário de cinco hotéis, aceita, com coragem, força de ânimo e grande resignação, um cargo num dos hotéis por ele fundado. Acaba por ser ajudado pelo empresário algarvio Manuel Ramirez que, em 1923, abriu o “Grande Hotel Guadiana” em Vila Real de Santo António e o convidou para o dirigir.

Também, segundo o livro “Lisboa Desaparecida “ Vol. 6 de Marina Tavares Dias, este Hotel terá encerrado em 1919, tendo a “Sociedade Estoril”, concessionária da linha férrea Lisboa-Cascais, ficado como nova arrendatária, tendo procedido a profundas obras a nível exterior e interior. Observando a foto, que a seguir publico, do funeral do Presidente da República Sidónio Pais em 21 de Dezembro de 1918, já o edifício em questão - podendo-se observar as alterações exteriores - albergava a “Sociedade Estoril”. Pelo que, sendo assim, o “Grand Hotel Central” terá encerrado antes de 1918 e não em 1919. Talvez quando este Hotel foi confiscado pelo governo português ao seu proprietário, como atrás referido.

Funeral de Sidónio Pais em 21 de Dezembro de 1918

Funeral de Sidónio Pais

Praça Duque de Terceira.1 

fotos in: Arquivo Municipal de Lisboa, Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian (estúdio Mário Novais), Hemeroteca Digital, Biblioteca Nacional Digital

5 comentários:

Graça Sampaio disse...

Sempre grandes e importantes lições de história! Muito boa esta publicação (como todas as restantes...)

Grata sempre.

José Leite disse...

D. Graça Sampaio

Eu é que agradeço os seus sempre amáveis e generosos comentários.

Os meus cumprimentos

Graça Sampaio disse...

Generosos nunca! Merecidos...

Luis disse...

Gostei do que li. Estou a investigar, apenas para conhecimento pessoal, a história de Conrad Wissmann, que foi meu tio-bisavô. Li noutro site que ele teria sido deportado para os Açores, ilha Terceira. Parece-me que, infelizmente, os descendentes dos seus treze sobrinhos já pouco sabem a esse respeito.
Muito obrigado
Luís Afonso Zúquete Dutschmann

Jorge Lourenço Goncalves disse...

E no 1º andar do edifício do que fora o "Hotel Central" e por cima da agência de viagens James Rawes, estava instalado o gabinete do famoso Almirante Tenreiro!