Restos de Colecção: Navio-Hospital “Gil Eannes”

17 de janeiro de 2016

Navio-Hospital “Gil Eannes”

A Marinha portuguesa teve dois navios-hospital com o nome “Gil Eannes”. Gil Eannes, nascido em Lagos, no Algarve, foi um  cavaleiro escudeiro do Infante D. Henrique que, numa simples barca, e em 1434, transpôs pela primeira vez o temido Cabo Bojador, situado no Sahara Ocidental, em África.

Gil Eannes

Com a necessidade de dar apoio hospitalar e humanitário às tripulações da nossa frota bacalhoeira, em 1923, o governo português, adaptou o cruzador “Carvalho Araújo” para apoio hospitalar à nossa frota. Embora sem as condições ideais, lá foi cumprindo a sua missão. Em 1922, os pescadores portugueses eram assistidos e hospitalizados no navio francês “Saint Jeanne d’Arc”, do qual recebiam a necessária ajuda humanitária.

Cruzador “Carvalho Araújo”, em 1923

 

O primeiro navio “Gil Eannes” (1916-1954), foi resultado da mudança de nome do navio alemão “Lahneck”, propriedade da companhia alemã "Deutsche Dampfschiffarts GeselIschaft Hansa", apresado em Lisboa, ainda no começo da I Guerra Mundial (1914-1918). Era um navio de 84,79 metros de comprimento, movido por um motor de 2.000 hp a vapor, com capacidade para 2000 toneladas de carga, alcançando a velocidade de 10/11 nós.

Navio alemão “Lahneck” durante o seu apresamento no rio Tejo em 1914

O “Gil Eannes”, inicialmente, serviu a frota dos “Transportes Marítimos do Estado” como navio de comércio e nessa qualidade fez a carreira da Madeira e Açores como paquete, tendo sido, depois, transferido para a Marinha de Guerra e por último para o “Grémio dos Armadores da Pesca do Bacalhau”.

Depois de ter sido decidido adaptá-lo a navio de assistência à frota de pesca do bacalhau, que operava nos bancos da Terra Nova, e de terem sido efectuadas as necessárias modificações na Holanda, zarparia do rio Tejo, em 16 de Maio de 1927, e pela primeira vez, rumo à Terra Nova nas suas novas funções. Porém, nem sempre se dedicou a essa missão, tendo sido algumas vezes desviado para outros tipos de missões. Como serviço de apoio à nossa frota pesqueira, fez apenas quatro viagens, entre 1927 e 1937. No regresso carregava bacalhau seco nos portos da Terra Nova, para a “Comissão Reguladora do Comércio de Bacalhau”, sediada em Lisboa, mantendo todavia um oficial superior de marinha com as competências de capitão do porto.

“Gil Eannes” em mares da Gronelândia

A partir de 1937, começou a ser mais regular essa assistência, embora outros problemas tenham surgido, causados pela situação de guerra que então se vivia. Os Aliados descobriram que o radiotelegrafista do “Gil Eannes” era um espião ao serviço dos alemães, o que iria comprometer a invasão do Norte de África. Depois de terem equacionado o afundamento do navio, acabaram por o abordar, prendendo o espião a 1 de Novembro de 1942. Tanto este navio, como o novo “Gil Eannes”, desempenhavam duas funções importantes. Como navio-hospital, estava dotado com uma equipa de médicos e enfermeiros, sala de operações, raio-X e outras situações necessárias, como, por exemplo, tratamento dentário. A outra função era a de apoio logístico, transportando o correio e fornecendo isco e combustível. Foi também navio capitania, navio rebocador e quebra gelos. Era enorme a alegria dos pescadores quando sentiam a sua presença.

Em 1955, o velho “Gil Eannes” seria substituído por um novo navio-hospital, construído nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo. O projecto é finalizado e assinado o contrato da sua construção em 20 de Março de 1952,  sendo iniciada a construção do novo navio-hospital em 1 de Dezembro de 1952. Depois de baptizado em 19 de março de 1955 e posto a flutuar no dia seguinte, 20 de Março de 1955, seria oficialmente entregue em 3 de Maio de 1955.

                           Assentamento da quilha                                                                  Pintura do casco

 

           Cerimónia do baptismo em 19 de Março de 1955                          Preparativos para flutuação do navio

  

            “Gil Eannes” já a flutuar junto ao Estaleiro                                     Acabamentos e aprestamentos finais

 

No cais da Rocha do Conde d’Óbidos em Maio de 1955 e a ementa da viagem inaugural entre Viana do Castelo e Lisboa

  

Quanto às suas características socorri-me do texto retirado da brochura original dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo e pelo “Grémio dos Armadores de Navios da Pesca do Bacalhau”, de 1955 e constante na reedição "Gil Eannes" da Câmara Municipal de Viana do Castelo e da “Comissão Especial Pró Gil Eannes” de 1997:

«Os Estaleiros Navais de Viana do Castelo projectaram e construíram esta unidade que tem o comprimento total de 98.450m, boca 13.716m e pontal de construção de 8.000m, desloca cerca de 4.854 toneladas com o calado médio de 8 pés, a que corresponde o porte de 2.600 toneladas, e, em serviço, deve dar a velocidade de 12.5 nós.

Dispõe de 4 porões e 3 cobertas para carga: os porões n.º 1, 2, e 3 e a coberta do n.º 1 estão preparados para o transporte de carga refrigerada; o porão e coberta nº 4 servem para o correio; na coberta de ré guardam-se «bidons» para o fornecimento de combustível a outros navios.

          

 

O casco, particularmente reforçado para a navegação em mares com gelos, é compartimentado de harmonia com as mais recentes disposições regulamentares de segurança. Satisfizeram-se inteiramente os preceitos da Convenção de Londres de 1948, quanto à protecção contra incêndios: o navio tem cerca de 2500 metros quadrados de superfícies isoladas contra fogo e, além dos meios usuais para combater incêndios, dispõe de um sistema automático de inundação dos locais habitados, por meio de chuva, e de um outro de alagamento dos porões de carga, com gás carbónico, este último associado a um equipamento especial para a detecção de fumos.

 

O serviço de carga e descarga é feito por meio de 11 paus de carga, servidos por 8 guinchos eléctricos, cada um de 3000kg de força. Completam a maquinaria do convés um molinete dos ferros de 35 HP e um sistema de governo electroidráulico, com o comando normal na casa do leme e o comando de recurso no convés, à popa.

 

 

O arrefecimento dos porões de carga refrigerada é feito por meio de difusores de ar frio, associados a sistema individuais de condutas de distribuição. As máquinas frigoríficas, instaladas em dois lugares distintos, totalizam a potência de 140HP.

Os motores principais são dois, cada um de 1400BHP a 300 r.p.m.. Entre os auxiliares mais importantes, contam-se 5 grupos electrógeneos capazes de fornecerem 512kW, 16 grupos electrobombas e 2 grupos electrocompressores. A potência eléctrica total instalada é de cerca de 780kW.

 

O sistema de comunicações internas do navio compreende uma rede de telefones automáticos, uma outra de intercomunicadores, uma instalação de som para música e ordens, além dos usuais porta-vozes e telégrafos mecânicos de ordens. Para as comunicações com o exterior, o navio está equipado com uma instalação de T.S.F. das mais completas, compreendendo receptores e transmissores de grafia e fonia, nas gamas de onda autorizadas.

Foi particularmente cuidado o estudo da ventilação, que é feita com ar aquecido para prover também à manutenção da temperatura ambiente dos locais habitados ao nível dos 18ºC. O aquecimento do ar é feito com vapor fornecido por uma caldeira de 50 metros quadrados de superfície de aquecimento.
O navio tem um elevador para o serviço da parte hospitalar e lavandarias mecanicas completas, com aparelhagem de desinfecção, máquinas de lavar, enxugar e passar a ferro.

“Gil Eannes” em assistência a dois bacalhoeiros

A aparelhagem de navegação compreende, além do usual, girobússola com duas repetidoras, sondador eléctrico, aparelhagem Loran de posição, radiogoniómetro e radar.»

 

Relatório das actividades do navio em 1964

 

Cedo se verificou que a máquina que o movia estava desajustada relativamente à sua capacidade. Não alcançava mais do que 9 nós, para cobrir uma área de 900 milhas quadradas e com mar revolto não conseguia aguentar-se de «capa», ou seja, a sua potência era insuficiente para o manter aprumado à vaga. A partir de 1963, passou a fazer viagem de comércio, como navio frigorífico e de passageiros, realizando a sua última viagem de assistência à frota bacalhoeira em 1973, ano em que, também, efectuou uma viagem diplomática ao Brasil, como embaixada flutuante de Portugal, nas recepções oferecidas pelo então embaixador Professor José Hermano Saraiva.

“Gil Eannes” em Lisboa, a 10 de Abril de 1975

 

Como navio mercante em Viana do Castelo e em Lisboa

 

Após uma paragem de 18 meses, O “Gil Eannes”, em 1975, reiniciou a actividade como navio frigorífico, fazendo cargas de bacalhau seco, da Noruega para Lisboa, ao serviço da “Comissão Reguladora do Comércio do Bacalhau”. Ainda nesse mesmo ano, foi requisitado pelo Governo português como navio-hospital para prestar apoio às populações, na fase final do processo de independência de Angola. Finda a sua actividade, foi adquirido pela Câmara Municipal de Viana do Castelo, em 1984. Após obras de reabilitação, está ancorado no porto comercial de Viana do Castelo, como património da “Fundação Gil Eanes”, podendo ser visitado e funciona como “Pousada da Juventude”, sendo hoje um ex-libris da cidade de Viana do Castelo.

“Gil Eannes” actualmente, no porto de Viana do Castelo

 

 

Bibliografia:  site da “Fundação Gil Eannes”

fotos in: Lugar do Real, Blogue dos Navios e do Mar, Fundação Gil Eanes

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