Restos de Colecção: Hipódromo de Belém

5 de dezembro de 2014

Hipódromo de Belém

Nos finais do século XIX, instalaram-se no perímetro de Belém equipamentos de lazer,  como o “Hippodromo de Belem” , o “Teatro Luiz de Camões” (mais tarde “Belem Club”), a Feira de Belem e a “Praia de Belem” como estância de veraneio escolhida pela família real, antes da opção por Cascais.

As primeiras corridas de cavalos em Portugal ocorrem em Évora e datam de 1868. Cinco anos depois, organizam-se corridas em Sintra (na “Granja do Marquês”) e na Golegã. No ano seguinte, em 1874, constrói-se o “Hippodromo de Belem”, no Bom Sucesso, nas traseiras da actual Rua Bartolomeu Dias, perto da Fabrica de Gaz de Belem propriedade da “Companhia Lisbonense de Illuminação a Gaz”, e organizam-se corridas em Julho e Outubro. Em 1875, o “Club Equestre”, fundado em 1873, muda o nome para “Jockey-Club”. Nesta mesma época realizavam-se corridas de cavalos no “Velódromo da Palhavã”.

"Hippodromo de Belem"

“Corridas de Cavallos em Belem” organizadas pelo “Club Equestre”

Mas o “Club Equestre” tinha a merecida concorrência … do “Club Equestre Asinino” ... em anúncio de 9 de Agosto de 1874

«Diante deles, o hipódromo elevava-se suavemente em colina, parecendo, depois da poeirada quente da calçada e das cruas reverberações da cal, mais fresco, mais vasto com a sua relva já um pouco crestada pelo sol de junho, e uma ou outra papoula vermelhejando aqui e além. [...] Para além, dos dois lados da tribuna real forrada de um baetão vermelho de mesa de Repartição, erguiam-se as duas tribunas públicas, com o feitio de traves mal pregadas, como palanques de arraial.» texto in: “Os Maias” de Eça de Queirós, 1888.

Gravura do “Jockey-Club” e respectiva notícia no jornal “Diario Illustrado” em 1 de Outubro de 1876

Hipódromo de Belem 1876

Meados dos anos 80 do século XIX.  As carruagens apinham-se à entrada do “Hippodromo de Belem”. Descem dos assentos forrados a veludo parisiense, as figuras mais proeminentes da sociedade lisboeta. Entre eles, está Carlos da Maia, que veio ao “Jockey Club’” assistir à famosa corrida de cavalos. Um estrangeirismo numa situação assim fica sempre bem, «é chique a valer», como diria prontamente Dâmaso Salcede. Eça de Queirós escreveu umas das mais críticas e brilhantes passagens da literatura portuguesa, mas estava longe de imaginar que o mesmo local que usara em os "Os Maias" serviria, anos mais tarde, para abrigar um acontecimento pioneiro em Portugal.

Corrida de cavalos, em 1885

Medalha comemorativa dos acontecimento

Em 1885 o “Real Gymnasio Club” prepara a preceito um festival de atletismo, no “Hippodromo de Belem” que vai dar que falar. Os homens em cima das bicicletas escondem o nervoso miudinho em gargalhadas abafadas atrás dos bigodes farfalhudos, muito em voga naquela época. O tiro da pistola dá início à primeira competição de ciclismo em Portugal. Dividiram-se por escalões os diâmetros das rodas das bicicletas: menos de 48 polegadas, 52 polegadas e 54 polegadas, e ainda aquelas em que a roda dianteira é muito superior à de trás. Depois disso, houve ainda tempo para demonstrações circenses. A prova de habilidade determinaria quem era o concorrente mais completo, ou seja, o ciclista teria de efectuar um percurso de 100 metros sem pôr os pés no chão. Surpreendentemente ou não, ganhou Herbert Dagge, o principal promotor da corrida. Esta seria a primeira competição de ciclismo em Portugal.

Um tipo de bicicleta usada na competição, numa foto de um desfile de 1955

Nos anos seguintes o ciclismo português expande-se a olhos vistos. O passo seguinte foi um passeio de longa distância com o objectivo de ligar Lisboa e Porto. A prova durou 32 horas, numa média de 11 quilómetros por hora, com vários percalços pelo caminho. O arcaísmo das bicicletas e o mau estado das estradas, geralmente de terra e pedra, fizeram com que inúmeros pneus furados e rodas empenadas tivessem de ser urgentemente trocados. Os cães que corriam desconfiados atrás das bicicletas atirando, por vezes, os corredores ao chão, e a falta de civismo dos outros utentes das estradas, também não facilitaram a tarefa.                               

Situado entre Belém e o Bom Sucesso, este largo espaço serviu para reunião da alta sociedade lisboeta, tendo-se aí efectuado diversas corridas de cavalo, para além de tantas outras festas de índole civil e social. Como tal, o hipódromo depressa adquiriu um estatuto muito particular, tornando-se palco adequado para as manifestações da "sociedade elegante".

  Automóvel «De Dion Bouton» Rear Entrance Tonneau de 1905, e a assistência da «sociedade elegante»

 

 

 

 

O “Hippodromo de Belem” foi também utilizado para paradas e exercícios militares, sendo, ocasionalmente, visitado por entidades oficiais que ali se deslocavam para assistir ou participar nas referidas manifestações.

Exercícios de cavalaria, e paradas militares

 

 

Em pleno reinado de Dom Carlos, e no domingo de 17 de Agosto de 1902, realizou-se no Hipódromo de Belém, a primeira corrida de automóveis em Portugal. Somente três carros presentes e o vencedor foi um “Locomobile”, movido a vapor e guiado pelo chauffeur americano H. S. Abott.

Anúncio de 1903 ao “Locomobile”

Os primeiros modelos da “Locomobile” eram movidos a vapor. Tinham motor de dois cilindros e autonomia de 32 quilometros com um tanque, mas eram um fiasco. Apesar das quatro mil unidade fabricadas, havia muita reclamação por falhas mecânicas e falta de assistência técnica para os automóveis. Em 1902 a “Locomobile” resolveu partir para o motor a gasolina e testou alguns motores de combustão interna, enquanto projetistas e carroçadores preparavam os próximos modelos.

Seria no dia 27 de Abril de 1910, em que pela primeira vez se voou num avião em Portugal, por intermédio de Julien Mamet, pilotando um “Blériot XI”. Descolou do “Hippodromo de Belem”, descreveu um largo círculo a 50 m de altura, sobrevoou a Real Casa Pia de Lisboa”, bordejou o Tejo e regressou novamente ao hipódromo. Estava consumada a aventura e com sucesso.

Notícia na revista “Illustração Portugueza”

Réplica dum “Blériot XI” similar ao utilizado por Julian Mamet em 1910

 

Este aeroplano tinha um motor “Anzani” com 25 cavalos de potência (19 kW) de configuração em W de 3 cilindros (um cilindro vertical central com os outros dois ângulos iguais em ambos os lados e no mesmo plano, muitas vezes conhecido como configurações de ventilador ou semi-radial) equipado com uma hélice “Chauviere” de duas pás em madeira.

Foi neste modelo que o seu fabricante Louis Blériot atravessou o Canal da Mancha, em 25 de Julho de 1909 gastando 32,5 minutos.

Sucederam-se as experiências aéreas, às quais se encontravam ligados vários pilotos célebres e arrojados. Também o público acorria em massa ao hipódromo , para admirar as acrobacias daqueles aventureiros.

Consultar artigo neste blog, no seguinte link: Primeiros Aeroplanos em Portugal

fotos in: Arquivo Municipal de Lisboa, Hemeroteca Digital, Biblioteca Nacional Digital, Colecções Senador, Airleners.net

1 comentário:

João Celorico disse...

Caro José Leite,

a foto da bicicleta no desfile de 1955, refere-se, quase certo, ao desfile das Marchas Populares, em que pela primeira vez participou a Marcha do Bairro de Alvalade, representando a "Lisboa Moderna". Houve, então, o desfile dos vários tipos de 2 rodas, até às "Vespas" que eram o modo de transporte da referida marcha.

Cumprimentos,
João Celorico